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José Roberto Burnier celebra volta ao trabalho após tratar câncer: ‘coberturas jornalísticas me ajudaram a não pensar em morte’

Cinco meses após deixar o Em Ponto, da GloboNews, para tratar um câncer na base da língua, o jornalista José Roberto Burnier celebra a cura e seu retorno à TV. O apresentador reassume o posto no dia 6 de janeiro de 2020.

“Estou louco para voltar ao jornal. E aviso a todo mundo que vou voltar em breve, dia 6 de janeiro. Estou com muita vontade de trabalhar”, revela em entrevista ao G1.

Um banco de dados analógico que dispensa conexão wi-fi foi uma das fontes de referências usadas pelo jornalista para encarar a notícia do repentino diagnóstico de câncer.

Confiou nos médicos, na ciência e na memória – a experiência profissional conquistada em mais de três décadas de cobertura jornalística, muitas delas relacionadas à área médica.

“Está aí uma coisa: minha experiência de cobrir tanto isso ajudou muito. Eu não fiquei pensando em morte em momento nenhum”, revela. “Eu não li nada, eu não procurei nada na internet sobre o meu tumor”.

Contratado do Grupo Globo desde 1983, Burnier estreou na TV como repórter no Globo Rural. Foi correspondente internacional em Buenos Aires, e esteve à frente de grandes reportagens antes de ancorar o noticiário matutino da GloboNews.

Burnier em sua casa em São Paulo, ao lado de suas duas cachorrinhas, Julie e Bonie - ele conta que elas foram muito companheiras durante o tratamento  — Foto: Marcelo Brandt/G1 Burnier em sua casa em São Paulo, ao lado de suas duas cachorrinhas, Julie e Bonie - ele conta que elas foram muito companheiras durante o tratamento  — Foto: Marcelo Brandt/G1

Burnier em sua casa em São Paulo, ao lado de suas duas cachorrinhas, Julie e Bonie – ele conta que elas foram muito companheiras durante o tratamento — Foto: Marcelo Brandt/G1

Acompanhou os diversos tratamentos do então vice-presidente da república, José Alencar, na luta contra o câncer. O trabalho foi transformado no livro “Os últimos passos de um vencedor – entre a vida e a morte, o José Alencar que conheci”, publicado pela Editora Globo. A trajetória rendeu não apenas uma rede graúda de contatos e histórias.

“Quando recebi a notícia do Kowalski [Luiz Paulo Kowalski, cirurgião oncologista e diretor do Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do A.C.Camargo Câncer Center] no telefone, é claro que você tem um impacto. Mas primeira coisa que perguntei: qual é o próximo passo? Quero começar o tratamento ontem. (…) A minha experiência em coberturas mostra que quanto mais rápido você andar, mais chance você tem de se livrar desse negócio”.

Ao avaliar o percurso recentemente percorrido, ele afirma que o conhecimento acumulado também foi importante para estabelecer uma relação de transparência com os profissionais responsáveis por seu tratamento.

“Essa experiência minha de ficar muito próximo do Jose Alencar [ex-vice-presidente] ajudou a entender como funciona a parte médica do tratamento. Eles sabiam disso, que eu conhecia bem a dinâmica do hospital. (…) E eu pedi para eles. Eu falei: ‘gente, eu sei como essa coisa funciona. Então me digam tudo porque isso vai me ajudar’. Saber a verdade sobre a doença e, principalmente, sobre o tratamento, me ajudou muito”, defende.

Burnier em sua casa em SP — Foto: Marcelo Brandt/G1Burnier em sua casa em SP — Foto: Marcelo Brandt/G1

Burnier em sua casa em SP — Foto: Marcelo Brandt/G1

Descoberta

Burnier descobriu o câncer semanas após notar a presença de um nódulo na garganta. Desconfiou da ausência de sintomas e procurou ajuda médica. Durante a realização de um dos exames, recorda de ter pressentido o que seria confirmado dias depois.

“Sabe como a gente é, né? Jornalista pergunta tudo, não aguenta ficar com dúvida. E eu já perguntei para os médicos: Vocês viram alguma coisa aí?E eu vi que tinha uma bola branca (nas imagens da tomografia). Percebi que eles já tinham visto e não queriam me dizer porque não podem dizer antes do resultado”.

No dia 17 de julho, após apresentar o que seria seu último jornal de 2019, foi informado pelos médicos da presença de um tumor na base da língua, provocado pelo vírus HPV.

Burnier diz que recebeu a informação com estranhamento. “HPV? Nunca soube que eu tinha”, rebateu ele ao médico.

Posterior ao susto, veio a explicação e o prognóstico positivo.

“O HPV a gente pega as vezes na adolescência, ele fica no nosso organismo anos, décadas, inerte, e de repente ele aparece e infecta uma célula. E pode provocar esse tumor. Por incrível que pareça, é uma ótima notícia, porque quando é provocado por HPV tem a melhor resposta ao tratamento. Álcool e cigarro é mais difícil combater”, conta ele sobre o que lhe disse o especialista.

Burnier mostra a máscara que usou durante todas as sessões de radioterapia  — Foto: Marcelo Brandt/G1Burnier mostra a máscara que usou durante todas as sessões de radioterapia  — Foto: Marcelo Brandt/G1

Burnier mostra a máscara que usou durante todas as sessões de radioterapia — Foto: Marcelo Brandt/G1

Processo

O tratamento teve início no dia 30 de julho e consistiu em 33 sessões de radioterapia e três de quimioterapia. O jornalista chegou a ficar 30 dias não consecutivos internado e perdeu 18 kg ao longo dos procedimentos.

“Era uma agonia por dia. Sempre me concentrava na próxima agonia. Comecei a engasgar muito, porque a garganta estava sendo bombardeada pela rádio. Engasgava com qualquer gole de água. Enjoos frequentes, vômitos”, descreve.

Ele relata, porém, que um dos períodos mais difíceis foi próximo ao final da última sessão de quimioterapia, quando sua expectativa era sentir redução dos efeitos adversos, mas foi tomado por uma fraqueza que o fez desabar.

“Veio uma fadiga que durou quase dois meses e não passava. Uma fadiga como se tirasse sua central de energia inteira. Eu tinha dificuldade para aguentar o peso dos meus braços”, descreve.

“Estava exausto, debilitado e quase joguei a toalha. Eu estava um fiapo. Aquilo foi o auge da minha depressão. Mas consegui atravessar”, garante.

A melhora no quadro começou a ser percebida no final de outubro. Desde então, embora ainda conviva com alguns incômodos provocados pelo tratamento, já pode retomar alguns prazeres da vida.

“Estou com o paladar alterado até hoje. Comida com sal eu sinto, mas o doce não. E durante muitos dias eu tive que comer sem sentir o gosto de nada. É a coisa mais horrível. Parece que você está comendo borracha. Não sabia que a gente precisava tanto do paladar. Só quando você perde é que você percebe. É impressionante, você não consegue comer. ”

No final de novembro, exames confirmaram que o tumor tinha sido eliminado e que ele estava curado.

TV e liberdade

Das recentes reconquistas, o jornalista cita a liberação dos médicos para voltar a viajar de motocicleta, além do retorno à TV.

“A moto é um prazer para mim. Primeiro eu gosto de andar de moto sozinho, não gosto de andar de moto em grupo. A grande sensação da moto é a liberdade. É um encontro meu comigo mesmo. É uma terapia”, explica.

Apaixonado por motovelocidade, ele diz que usa o veículo somente em estradas. Gosta de fazer viagens curtas e desacompanhado. Costuma escolher cidades do interior do estado como destino.

“É um momento muito meu mesmo. Eu gosto muito de moto porque ela exige uma concentração total. Eu treino muito com a moto. Sou muito disciplinado, não vou dizer que não dou umas aceleradas, dou, sim senhor, mas dentro dos meus limites. Loucura eu não faço.

As últimas viagens acabaram por demarcar o início e o fim do tratamento. “Fui a Pirapora do Bom Jesus quando tive o diagnóstico. Fui lá para rezar, pedir a oportunidade de me curar dessa doença e continuar a minha vida. Quando terminei o tratamento, na primeira chance que eu tive, fui até lá de novo para agradecer. ”

O enfrentamento da doença também foi ilustrado no capacete. O jornalista conta que pediu a Alan Mosca, filho do aerografista Sid Mosca, conhecido pela customização de capacetes de pilotos da Fórmula 1, uma pintura especial. “Fiz uma homenagem para mim”.

Burnier com capacete com pintura especial — Foto: Marcelo Brandt/G1 Burnier com capacete com pintura especial — Foto: Marcelo Brandt/G1

Burnier com capacete com pintura especial — Foto: Marcelo Brandt/G1

O objeto agora ostenta o número 33 e o desenho de um caranguejo, animal símbolo do câncer. “O número 33 me perseguiu o tratamento inteiro. 33 sessões de radioterapia. A primeira vez que fui fazer quimioterapia foi em um box 33. Sempre tive o número três como meu favorito”, justifica.

“Foi sem dúvida o maior desafio da minha vida suportar o tratamento. Hoje eu entendo o que passam as pessoas que têm diagnóstico de câncer e têm que passar por um tratamento pesado”, avalia.

Além da equipe profissional e dos avanços da ciência, Burnier credita sua cura a outro bem imaterial e também revolucionário: o afeto.

“Uma das coisas mais importantes do tratamento de câncer é você ser abraçado. É perceber que você não está sozinho”, afirma.

“Hoje nós temos as armas para curar os muitos casos de câncer, graças a Deus, graças à pesquisa, a esses médicos. Mas você tem que ter sua família, você tem que ser abraçado, senão você não aguenta”, assegura.

Fonte: G1 São Paulo