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‘Pop de playlist’ condensa gêneros diferentes em 3 minutos para dominar listas e paradas

Três minutos de música parecem pouco, mas têm sido suficientes para condensar estilos em uma faixa capaz de se espalhar por diferentes bases de fãs: são as “músicas playlist”. Elas combinam ritmos, às vezes com trocas bem delimitadas e outras com transições suaves.

Singles com passagens por diferentes gêneros musicais não são fenômeno de 2019, mas o mercado atual é propício para as misturas nos serviços de streaming como Spotify, Deezer e YouTube.

O objetivo é entrar em várias listas de estilos diferentes ao mesmo tempo. As playlists com milhões de seguidores impulsionam a audiência das faixas.

Veja exemplos brasileiros abaixo e entenda os bastidores deste mercado a seguir:

'Pop de playlist' une gêneros musicais de olho na distribuição — Foto: Rodrigo Sanches/G1'Pop de playlist' une gêneros musicais de olho na distribuição — Foto: Rodrigo Sanches/G1

‘Pop de playlist’ une gêneros musicais de olho na distribuição — Foto: Rodrigo Sanches/G1

A corrida das playlists

“Cada plataforma tem seu time editorial focado apenas na montagem dessas listas, que podem ser de gêneros ou temáticas”, conta Gabriel Lupi, diretor de conteúdo da Deezer.

Ou seja, eles cuidam tanto de listas de rap, funk, sertanejo e rock como de músicas para festejar, dirigir, dormir, namorar…

Dentro dos times, há os curadores de cada segmento, com linhas editoriais diferentes. A maioria delas mescla músicas já conhecidas, para prender o ouvinte, com lançamentos, para oferecer novidades.

“Quando uma música nova é lançada, ela é testada nessas playlists”, explica Lupi. Se tiver boa aceitação, vai sendo escalada para outras. Se o nível de skip (pular) for alto, a música deixa a lista e pode não ter outras chances de se difundir.

Se a música se der bem nas playlists com curadores, ela alça voos próprios e entra nas listas de charts e algoritmos, baseadas no que o público está ouvindo. Ou seja: já é sucesso.

Tudo ao mesmo tempo agora

Para a gerente de artistas e repertório da Som livre, Tatiana Coutinho, a tendência revela que os gêneros antes marginalizados, como funk, o hip hop e o R&B, hoje são sinônimos de liberdade criativa.

“Esses estilos foram absorvidos pelo mainstream [o grande mercado] e misturados com outros considerados mais tradicionais pelo mercado. Isso é um reflexo da nova geração de artistas e consumidores”.

O aumento até tem influência artística, mas, segundo especialistas, o foco mesmo é alcançar – e agradar – diferentes públicos e se equilibrar em playlists diversas.

“Mais do que uma tendência artística, é de mercado. Porque oferece tanto a facilidade de distribuir nas plataformas e rádios, quanto a chance do artista se experimentar”, diz Gabriel Lupi.

Festa dos ‘feats’

Seja com batidão ou batidinha, o funk é o campeão brasileiro da mistura. Ele aparece em refrões ou outros trechos de músicas, do sertanejo ao eletrônico. O rap – em suas mais variadas versões – também está presente nas músicas playlist.

O sertanejo também entra na dança dos ritmos, mas se arrisca menos. As misturas são geralmente feitas com ritmos parecidos, como o forró e o brega, ou com o funk, parceria consolidado desde o início da década, com explosão em 2017.

Os ritmos latinos completam o time dos queridinhos. Com a ascensão de artistas latinos ao topo das listas de reproduções, muitas músicas têm recorrido ao reggaeton ou à bachata (como o sertanejo brasileiro).

No Brasil, Lupi cita dois cantores em evidência que costumam usar a mistura: Anitta e Wesley Safadão. No caso dos cantores, a escolha reflete as parcerias. Safadão faz questão de levar seu forró eletrônico para os feats (colaborações), como no batidão “Desencana” com Mc Kekel.

Já Anitta, convidada para várias músicas com mais de três cantores, sempre apimenta músicas pop com batidas de funk ou reggaeton, como: “Faz gostoso”, com Madonna; “Vai Malandra”, com MC Zaac, Maejor, Tropkillaz e Dj Yuri ; “Onda diferente”, com Ludmilla e Snoop Dogg; e “Bola Rebola”, com Tropkillaz, J Balvin e Mc Zaac.

Misturas pré-Spotify

No início dos anos 2000, a visionária cena do K-pop já dominava essa estratégia, com músicas que chegavam a unir nove vertentes diferentes, com muito hip hop e EDM. Hoje, os principais grupos de pop coreano têm integrantes responsáveis apenas por criar os trechos de rap e hip hop.

Muito antes do funk, do trap e do reggaeton, bandas de rock inovavam com a disrupção. Nos 7 minutos e 47 segundos da música “I want you (she’s so bad)”, os Beatles passam do rock ao blues em diversos pontos.

Em “Bohemian Rhapsody”, Freddie Mercury e o Queen dividem a canção em seis atos: intro, balada, solo, ópera, rock e apoteose em quase seis minutos.

Os pops de playlists estão longe da inovação e dos feitos artísticos de Freddie ou dos fab four. Mas são receitas e objetivos diferentes. Tanto que se lá levavam de seis a sete minutos, aqui dão a impressão de algo frenético e instantâneo: três minutos, mistura os temperos e pode servir.

Fonte: G1